Muita gente coloca Saquarema como um dos melhores picos de surfe do Brasil. Na década de 70, quando o local mal tinha qualquer estrutura que não poucas casas de pescadores, os surfistas mais aventureiros do Rio faziam expedições para desbravar a região e suas ondas. Como na época não havia muitas formas de registro, só os próprios olhos podiam dar conta dos relatos daqueles que voltavam falando sobre as condições perfeitas para o surfe. Era ver para crer. Ir a Saquarema era uma viagem longa, de acesso remoto, mas que nutria a alma dos surfistas que passavam dias acampados nas areias de Itaúna ou da Praia da Vila.

As duas praias, separadas pela Igreja Nossa Senhora de Nazaré e pelo canal que liga a Lagoa de Saquarema ao mar, têm a vantagem de oferecer boas ondas independentemente da direção da ondulação ou vento. Se uma estivesse ruim, era provável que a outra estivesse melhor. O “telefone sem fio” se estendeu, o município da Região dos Lagos virou sede dos saudosos festivais de surfe durante a década 70 e as ondas perfeitas e poderosas se tornaram principal atrativo turístico do lugar. Em 2017, após etapas muito prestigiadas do QS (Divisão de Acesso) nos anos anteriores, é a vez da elite do surfe mundial usar e abusar do “Maracanã do Surfe” – apelido dado a Saquarema e mais especificamente à Praia de Itaúna, onde será fixado o palanque principal do evento. O pico alternativo será na Barrinha, em frente à associação de surfe local.

A descoberta do pico pela turma do Arpoador foi natural. Com Saquarema no meio do caminho para Búzios e Cabo Frio, já desbravados, alguns personagens da época como Ricardo Bocão, Pepê Lopes, Tico Cavalcanti, Octávio Pacheco, Daniel Friedman, Paulo Proença, Maraca entre muitos outros, toparam com o tesouro nada escondido de Itaúna: esquerdas que quebravam sem pressa, com longas paredes de água, manobráveis e com pressão diferente das ondas do Rio. Nesta época, apenas dois locais tinham envolvimento com o surfe: Celmo “da Vila” e Abel “de Itaúna”.

– Itaúna tem uma geografia que favorece a potência das ondas. Naquele tempo (tinha uns 17 anos), todo mundo sabia que quem pegava onda em Saquarema estava um nível acima dos demais. As ondas eram melhores, maiores e mais desafiadoras – relembra Tico Cavalcanti, pioneiro na confecção de bermudas de surfe no Brasil.

– A geografia da praia é favorável à formação de bons fundos de areia por conta da laje e das correntes todas. Esses elementos são fundamentais na construção de uma onda perfeita. Saquarema tem uma variação de ondas para a esquerda de altíssima qualidade e uma variação para a direita com ondulações de sul e sudeste. Os ventos são favoráveis, e as tempestades se dissipam muito rapidamente – explicou Roberto Perdigão, diretor regional da antiga ASP, atual WSL, às vésperas da etapa do QS em 2014.

Mas chegar ao pote de ouro, na década de 70, era uma missão braba. Os 116 km de distância do Rio significavam muitas horas de aventura. Mesmo numa época sem tecnologia de previsão de ondas, as chances de ganhar a recompensa pelo esforço eram grandes.

– A galera ia para acampar, ficar na areia da praia, de frente para as ondas. Geralmente íamos num fusquinha lotado, outras vezes na raça: íamos com nossas tralhas até o Cais do Porto e atravessávamos a Baía de Guanabara, de barca, até Niterói. De lá, a gente andava uns 15 quarteirões até a rodoviária (risos). As pranchas iam no bagageiro do ônibus até Bacaxá, de onde pegávamos uma última condução até a Praia da Vila. Da Vila, dávamos um jeito de chegar em Itaúna – relembra Tico.

Com o aumento do volume de aventureiros, começou o movimento de aluguel de casas dos pescadores.

– Acho que esse foi o primórdio do turismo em “Saquá”. A cidade passou a enxergar e a aceitar todo aquele pessoal também como fonte de renda. Depois vieram os festivais de surfe, que reunia uma galera bem descolada, com campeonatos, shows e outros entretenimentos – emenda Tico.

A partir de então, Saquarema entrou no roteiro do surfe nacional, sempre considerado um dos melhores points de surfe do Brasil. Em 2002, Itaúna recebeu o mundial e, de lá pra cá, muitas etapas do QS, sempre muito prestigiadas. O australiano Taj Burrow faturou o caneco do único campeonato em Itaúna destinado à elite do surfe. Na edição, o brasileiro Rodrigo “Pedra” Dornelles ficou em quinto.

Se Saquarema tem um personagem emblemático, este cara é Raoni Monteiro. Com 10 temporadas de CT na bagagem e muito respeito conquistado pela sua atitude dentro d’água, Raoni nasceu e cresceu surfando em Saquarema. Instalado lá até hoje, ele aponta o lugar como principal aliado da sua longa estadia no Circuito.

– Saquarema é fundamental para a minha história no Circuito Mundial. Aqui dá onda grande, pequena, onda cheia, onda buraco. Onda de manobra, com parede, forte, de tubo… Eu aprendi a surfar nos mais diversos tipos de condições. O nível de surfe de Saquarema é comparado com as ondas boas de fora do país, até com o North Shore, no Havaí. Quando a ondulação está de leste, Itaúna oferece aquelas famosas esquerdas longas que todos conhecem, mas se você for pra Vila também vai ver tubos. Muitos fatores fazem de Saquarema um lugar versátil para o surfe – comenta Raoni, que está à frente de um projeto de coach para fomentar a nova geração de surfistas de Saquarema.